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RUI CAVALLIN PINTO - 03 de Outubro de 2014 às 19:47
AINDA OS CEM ANOS DO CONTESTADO
O tema deste artigo é uma reflexão sobre o ressentimento da guerra. Quanto ele dura? Qual das suas dores custa mais a sarar: ser parte de uma comunidade política? É o orgulho nativo ferido? Calar ou não compartilhar das comemorações alivia?

Conta-se que, quando o soldado vem da guerra e traz muito sofrimento, não fala no que viu. É tão forte a dor das suas lembranças que prefere se calar. Fica mudo para não renovar o sofrimento que suportou.
Durante o ano de 2012 Paraná e Santa Catarina comemoraram os cem anos do acordo que pôs fim à chamada Guerra do Contestado, e pacificou o maior conflito civil da América, - a nossa guerra civil, bem como estabeleceu linhas definitivas para os limites entre os dois Estados vizinhos.
Santa Catarina tem celebrado constantemente o evento histórico e seus heróis. Lá se fundaram as Universidades do Contestado, com Campus em Caçador, Porto União, Concórdia, Mafra, Curitibanos. Há museus, como o de Caçador e o de Concórdia, e monumentos do Contestado. Sobre o tema, conta-se por dezenas as publicações da Universidade Federal de Santa Catarina e das editoras locais particulares. A temática do Contestado faz parte do currículo das escolas de 1ª a 8ª série e é disciplina na Universidade do Contestado. Apesar da devastação da sua exuberante riqueza natural, da queima de 9 mil casas e da perda de 1/3 de sua população, o Contestado constitui o tema principal do seu sentimento nativista.
Ainda no início do ano passado, o Ministério Público de Santa Catarina, em ação conjunta com o Instituto Histórico daquele vizinho Estado, e entidades históricas e culturais do país todo, promoveram a organização do Seminário Nacional 100 Anos da Guerra do Contestado, convertido em conferências e diálogos, num primeiro encontro em Florianópolis para alcançar um amplo desfecho no Rio de Janeiro. Dele resultou o agora “100 ANOS do CONTESTADO: memória, história e patrimônio. O volume tem quase 500 páginas, e recebeu a contribuição das maiores autoridades no tema, explorando todos os seus safios, humanos, materiais, sociais, políticos, militares (umas das maiores operações militares no Brasil), e quantos mais foram; posto que foram tantos.
Como é próprio de uma empreendimento desse porte e de seu caráter nacional, o convite de participação do evento foi endereçado também ao Ministério Público do Estado que foi parte da disputa histórica; como suponho, a outras entidades estaduais de igual interesse. Porém, o Coordenador Executivo de SUBADM do nosso MP, de pronto alegou que o convite veio a destempo, e, sumariamente, determinou o arquivamento do expediente; sem se dar conta do caráter inaugural dos trabalhos e a participação da Instituição nas conferências e debates que se seguiram nos dias subsequentes, como parte historicamente prioritária do conflito. Pelo que vim a saber o Paraná só participou com a contribuição efetiva de dois ou três membros do seu Instituto Histórico e Geográfico, de presença espontânea, que deixaram contribuição pessoal para o legado historiográfico. Muito menos, portanto, do que se esperava da nossa identidade com o tema e da nossa obrigação de contribuir para sua compreensão, posto que, a juízo do próprio Encontro e de sua reconhecida complexidade, o debate não termina aí.
Ainda nos perguntamos sobre o papel das capitanias hereditárias na adoção do nosso sistema Federalista e por causa dele a desigualdade que marca o mapa do nosso país. Esse “erro de simetria”, apontado por Tavares Bastos, - não foi corrigido na Independência e o bairrismo das pequenas “pátrias regionais”, sempre resistiu a todas as tentativas (no Império e na República), de corrigir as distorções do nosso ordenamento geopolítico, permitindo que viessem a se consolidar as desigualdades hoje instaladas, e com proveito nelas, essa forma doméstica de colonialismo interno, dominante entre nós. Embora já passados 400 anos do sistema extinto das capitanias, vai servir ao Supremo de referência básica para medir a extensão do termo de Lages e contemplar Santa Catarina com todo o Oeste do território, para fazer limite com a Argentina.
E o acordo de 20 de outubro de 1916? Quem já redarguiu Cleto Silva de que esse acordo foi celebrado à frente de carabinas? E seu Estado das Missões, foi só um surto histérico e impotente? A revolta dos posseiros do Sudoeste do Paraná é também filha do Contestado!.... Quem já restabeleceu essa filiação? E a denúncia de Niepce da Silva, de que Affonso Camargo tinha negócios com a Lumber, e era advogado “oficial” da Companhia? E Wenceslau Braz não foi apenas prático e cortou o bolo pela metade? São tantas as indagações que ainda restam, que parece estranha a ausência do Paraná num Encontro Nacional e em data histórica como a do centenário...
Mas, voltando ao começo: será que o trauma da guerra (ou falsa guerra), foi tão intenso e duradouro que ainda nos impede de ser lembrado, mesmo sob visão histórica? Houve realmente comoção pública e oficial: nas tribunas, na imprensa e nas ruas, onde se denunciava o esbulho e se vergastava o invasor. O Paraná se armou dos melhores advogados, titulados pelo Supremo, a imprensa rodou libelos e as casas do presidente Carlos Cavalcante e do senador Alencar Guimarães foram apedrejadas. Houve fumaças de guerra e a tropa ficou de prontidão, enquanto os fazendeiros armavam seus vaqueanos.
Entretanto, perdemos em todos os lances da justiça, mas alcançamos um acordo honroso, celebrado pelo país e louvado por nosso Hugo Simas. Apesar disso, porém, nos mantemos altivos e lacônicos, diante das celebrações nacionais. Então fica a pergunta derradeira: quanto tempo dura uma guerra; ou melhor, quanto tempo dura o sentimento de uma guerra?...
(O autor é Procurador-de-Justiça aposentado e membro da Academia de Letras)